- Quer saber de uma coisa?!
E a velha, de olhos pequenos, me mostrava o cigarro de
filtro amarelo que trazia na mãos de dedos curtos e pele enrugada. Como eu não
respondesse, insistiu com sua voz rouca:
- Quer saber de uma coisa, meu filho?!
(Não, não queria, mas senti que seria inútil dizê-lo).
- Tem que ter muito cuidado pra acender cigarro dos outros,
viu? O quê?! Tuberculose é foda... Passa até pelo tato! Olha aqui como eu
faço...
E me mostrava o maço, que contava apenas dois cigarros virados
de cabeça pra baixo, filtros protegidos. Ato contínuo, pedia para que eu
ascendesse com o meu o cigarro dela, o que fiz sem demonstrar qualquer
interesse pela recomendação.
- Vivi a vida toda aqui. Nasci aqui, praticamente. Conheço
todo mundo aqui. (Fez uma pausa meio programada) E digo mais: todo mundo me
respeita nessa porra! É...porque eu sou atrevida. Toda Cecília (chamava-se
Cecília) é atrevida, hein!
Estava sozinha no bar. Em sua mesa, uma cerveja barata reinava só. Não me olhava propriamente nos olhos enquanto falava.
- Ó...(com um gesto chamou-me para mais perto, como quem
fosse contar um segredo). Conhece Laranjeiras? Conhece a Rua Alice? Conhece a
Casa Rosa?! Então, trabalhei lá por onze anos! Onze anos trabalhei lá! Tive
três filhos: um com dezessete, outro com vinte e outro com quarenta e quatro.
Quarenta e quatro! (aparentava muito mais). Conhece alguém assim?! Pois é! E meus filhos sabiam de tudo,
que eu nunca escondi de ninguém, não! Descia e subia esse morro todo santo dia,
debaixo de sol, debaixo de chuva. Agora tô aqui... Ih... puta que pariu... lá vem
minha neta me pedir dinheiro! Primeiro de tudo diz boa noite pro moço!
Apresentou-me a criança. Foi a única vez que interagi com
palavras:
- Boa noite.
Chovia. Um carro rompeu o silêncio da rua que parecia
dormir.