sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Isabel que não foi princesa

Cinquenta anos depois que Isabel, a princesa, assinou a Lei Áurea, nascia, na cidade de Niterói, Isabel Souza Lima. É, na verdade, o que consta em seu registro de nascimento. Porque essa Isabel de que trato aqui costumava comemorar seu aniversário em outra data, dizendo a todos ter nascido a 28 de novembro, mas de que ano ninguém sabe ao certo. Muito menos ela.

Isabel fazia parte da extensa prole do casal Malvino Alves de Souza e Adelia Costa Souza. Ele pedreiro, ela lavadeira. Todos, pais, filhos e irmãos, negros. Como a imensa maioria das meninas pobres e negras de seu tempo, Isabel teve uma infância dura. Ainda criança, precisou ajudar sua mãe com a entrega das roupas. E foi assim que acabou passando à guarda de outra família, que a ela se afeiçoou e tomou para si a responsabilidade de criá-la.

Sua educação foi primária e, na adolescência, foi trabalhar na fábrica de fósforos Fiat Lux, no bairro operário do Vila Lage, em São Gonçalo. Mas seu conhecimento vinha mesmo era do tete-a-tete com a vida, que a ensinou em algum momento, provavelmente muito cedo, que para sobreviver era preciso imaginar-se num carnaval, com toda a sua euforia melancólica de alegorias, máscaras, confetes, serpentina e lança-perfume.

E Isabel brincou. E nessa brincadeira conheceu Betinho, negro garboso que na verdade se chamava Beethoven Silva Lima, num baile da Sociedade Carnavalesca Mimoso Manacá. Casaram-se em 1959, quando ela contava, portanto, com 18 ou 19 anos de idade. Logo vieram os filhos, ou melhor, as filhas. Duas. Ligia e Leila.

Isabel foi forte, mas não foi rude. Serviu à família e segurou as pontas quando Betinho, metido a malandro, aprontava das suas. E não foram poucas. As filhas, criou-as como pôde e a partir de sua própria experiência. Escola, uniforme, cabelo alisado na marra. Por força das circunstâncias, acabou por criar também os três netos, Rafael, Larissa e Gabriel. Todos devidamente rezados com o cú virado pra lua e levados com jujubas numa mão e um chinelo ameaçador na outra, só pra garantir.

Minha avó morreu quando eu tinha 14 anos. Nasceu livre mas não pôde se libertar de todo. E talvez soubesse disso. Mas que brincou, brincou. Gostava de dançar. Arrumava-se toda. Tomava lá a sua cervejinha e fumava escondida no quintal. E ria. E gargalhava. Não se sabe se foi feliz. É que, no carnaval da vida, borram-se os contornos que delimitam o íntimo e o superficial. E vó Isabel, que não foi princesa, adorava carnaval.

6 comentários:

  1. Lindo, Rafael! Essas historias sao as mais dignas de serem contadas, senao as unicas. TO SENTINDO AMOR aqui em mim!

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