"Acabou nosso carnaval", lembra a letra da
marcha que ainda ecoa, viva, entre buzinas e fumaças nessa segunda-feira
ensolarada. Os dias de intenso delírio e otimismo gratuito terminam e começam, e
terminam como começam assim, sem fim algum.
"Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se
vê, que nem se sorri, se beija e se abraça e sai caminhando, dançando e
cantando cantigas de amor", lamenta a marcha. Sábia marcha que no entanto ainda
se ergue da sarjeta para acenar a cada um dos componentes da alma lavada ao relento,
os quais, sem perceber, acenam de volta e a cantam sem saber enquanto caminham sozinhos
para o trabalho.
Não, não é preciso contar a ninguém a nossa
experiência durante esses dias recém-passados...Todos os que se entreolham no
dia de hoje, somos cúmplices de nós mesmos. É como se já soubéssemos e compartilhássemos
intimamente o mesmo ar de compreensão. Cumprimentemo-nos a nosso modo, então, em
segredo, em silêncio, sem culpa por ter apenas sido, e a troco de nada.
O colorido que resiste nas calçadas aos poucos cede lugar
ao cinza do asfalto, é verdade, mas ainda está lá. O corpo, há pouco invencível,
cede às cinzas e ao cansaço, mas ainda está aí. A vida caminha e se aproxima do
seu contrário, mas, enquanto isso, ainda segue, muito embora pareça sem rumo.
O carnaval, caros(as) passageiros(as), só não acaba porque,
propriamente dito, nunca começou. Seu tempo não pertence à história, mas à memória.
Por isso é que ele vive no folião, ainda que este não o viva o tempo todo.
"E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é
preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade", insiste a marcha. Insistamos
também e, em meio à máscaras mal encaradas e furiosas, vistamos a fantasia do
cotidiano rumo ao que der e vier, "pra ver e brincar outros carnavais, que
marchas tão lindas, e o povo cantando seu canto de paz", como manda a
nossa marcha.