segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Como manda a nossa marcha




"Acabou nosso carnaval", lembra a letra da marcha que ainda ecoa, viva, entre buzinas e fumaças nessa segunda-feira ensolarada. Os dias de intenso delírio e otimismo gratuito terminam e começam, e terminam como começam assim, sem fim algum.

"Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê, que nem se sorri, se beija e se abraça e sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor", lamenta a marcha. Sábia marcha que no entanto ainda se ergue da sarjeta para acenar a cada um dos componentes da alma lavada ao relento, os quais, sem perceber, acenam de volta e a cantam sem saber enquanto caminham sozinhos para o trabalho.

Não, não é preciso contar a ninguém a nossa experiência durante esses dias recém-passados...Todos os que se entreolham no dia de hoje, somos cúmplices de nós mesmos. É como se já soubéssemos e compartilhássemos intimamente o mesmo ar de compreensão. Cumprimentemo-nos a nosso modo, então, em segredo, em silêncio, sem culpa por ter apenas sido, e a troco de nada.

O colorido que resiste nas calçadas aos poucos cede lugar ao cinza do asfalto, é verdade, mas ainda está lá. O corpo, há pouco invencível, cede às cinzas e ao cansaço, mas ainda está aí. A vida caminha e se aproxima do seu contrário, mas, enquanto isso, ainda segue, muito embora pareça sem rumo.

O carnaval, caros(as) passageiros(as), só não acaba porque, propriamente dito, nunca começou. Seu tempo não pertence à história, mas à memória. Por isso é que ele vive no folião, ainda que este não o viva o tempo todo.

"E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade", insiste a marcha. Insistamos também e, em meio à máscaras mal encaradas e furiosas, vistamos a fantasia do cotidiano rumo ao que der e vier, "pra ver e brincar outros carnavais, que marchas tão lindas, e o povo cantando seu canto de paz", como manda a nossa marcha.

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