Cinquenta anos depois que Isabel, a
princesa, assinou a Lei Áurea, nascia, na cidade de Niterói, Isabel
Souza Lima. É, na verdade, o que consta em seu registro de nascimento. Porque
essa Isabel de que trato aqui costumava comemorar seu aniversário em outra data,
dizendo a todos ter nascido a 28 de novembro, mas de que ano ninguém sabe ao
certo. Muito menos ela.
Isabel
fazia parte da extensa prole do casal Malvino Alves de Souza e Adelia Costa Souza.
Ele pedreiro, ela lavadeira. Todos, pais, filhos e irmãos, negros. Como a
imensa maioria das meninas pobres e negras de seu tempo, Isabel teve uma
infância dura. Ainda criança, precisou ajudar sua mãe com a entrega das roupas.
E foi assim que acabou passando à guarda de outra família, que a ela se
afeiçoou e tomou para si a responsabilidade de criá-la.
Sua
educação foi primária e, na adolescência, foi trabalhar na fábrica de fósforos
Fiat Lux, no bairro operário do Vila Lage, em São Gonçalo. Mas seu conhecimento
vinha mesmo era do tete-a-tete com a vida, que a ensinou em algum momento,
provavelmente muito cedo, que para sobreviver era preciso imaginar-se num
carnaval, com toda a sua euforia melancólica de alegorias, máscaras, confetes,
serpentina e lança-perfume.
E
Isabel brincou. E nessa brincadeira conheceu Betinho, negro garboso que na
verdade se chamava Beethoven Silva Lima, num baile da Sociedade Carnavalesca Mimoso Manacá. Casaram-se em 1959, quando ela contava,
portanto, com 18 ou 19 anos de idade. Logo vieram os filhos, ou melhor, as
filhas. Duas. Ligia e Leila.
Isabel
foi forte, mas não foi rude. Serviu à família e segurou as pontas quando
Betinho, metido a malandro, aprontava das suas. E não foram poucas. As filhas,
criou-as como pôde e a partir de sua própria experiência. Escola, uniforme,
cabelo alisado na marra. Por força das circunstâncias, acabou por criar
também os três netos, Rafael, Larissa e Gabriel. Todos devidamente rezados com
o cú virado pra lua e levados com jujubas numa mão e um chinelo ameaçador na outra, só
pra garantir.
Minha
avó morreu quando eu tinha 14 anos. Nasceu livre mas não pôde se libertar de
todo. E talvez soubesse disso. Mas que brincou, brincou. Gostava de dançar.
Arrumava-se toda. Tomava lá a sua cervejinha e fumava escondida no quintal. E
ria. E gargalhava. Não se sabe se foi feliz. É que, no carnaval da vida,
borram-se os contornos que delimitam o íntimo e o superficial. E vó Isabel, que
não foi princesa, adorava carnaval.