terça-feira, 22 de setembro de 2015

474


Todos os dias, 24 horas por dia, ele parte da Rua Álvaro Seixas, próximo ao Largo do Jacaré, que fica na fronteira entre o bairro do mesmo nome e o Engenho Novo, Zona Norte da cidade. Daí, quebra à esquerda para a Baronesa do Engenho Novo, mais uma vez à esquerda para a Maximiniano de Figueiredo, contorna, pelo outro lado, o Largo de onde saiu, ganha a Lino Teixeira, torna à direita para a Carlos Costa até alcançar o bairro do Riachuelo e seguir o seu trajeto em direção a Zona Sul da cidade.

Até chegar a Rua Afrânio de Melo Franco, no Leblon, atravessa treze bairros, num percurso de vinte e nove quilômetros - arredondando para baixo -, feitos em aproximadamente uma hora, uma hora e meia, creio eu, a depender do trânsito. Percebam que assumo aqui o ponto de vista de um único sentido, e por uma razão muito simples: considero que, do contrário, seu itinerário ele mesmo não teria sentido algum, pois carrega consigo apenas aqueles(as) que seguem, nos dias de semana, rumo ao seu trabalho mal remunerado, e, nos fins de semana, rumo à praia. Na volta, não leva outros(as) a outros lugares, apenas os(as) mesmos(as) de volta para casa, de modo que trocam muito pouco com a cidade os seus passageiros(as), como se dela não fizessem parte.

Treze bairros, vinte e nove quilômetros, uma hora e meia, e ninguém parece se incomodar, a não ser nos seus três bairros, cinco quilômetros e meio e quinze minutos para chegar ao destino final. A partir dali, aí sim, ele incomoda. Sobretudo no verão. E como no Rio é sempre verão, incomoda sempre. Não sejamos ingênuos a ponto de achar que não incomodaria mesmo, e muito, caso não se associassem as cenas de furto aos moleques pretos despejados por ele na orla de Copacabana, Ipanema e Leblon. Isso porque são moleques e pretos.

É possível que, a partir do mês que vem, ele não passe da Candelária. É o que estuda fazer a prefeitura, sem perceber que o 474 é a cidade, e que nele se resumem suas potencialidades presentes e futuras. Impedi-lo de ir até a Zona Sul nada mais é, passageiros e passageiras, que assinar o nosso termo de fracasso e desistir da cidade. Um dia, teremos vergonha por não termos reagido a isso. Esse será mais um de nossos já muito numerosos traumas coletivos.

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Em tempo: acabo de  me lembrar que o prefeito andou projetando uma pista de esqui para o Parque Madureira, sob a justificativa de fazer o povo [sic], ao invés de Aspen, ir para o subúrbio, o que faria de nós uma cidade integrada, em sua própria perspectiva, é claro.

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