Há bastante tempo recai sobre o Rio um quebranto que
nem mesmo as incontáveis entidades que por aqui batem ponto têm conseguido
desfazer. Sua origem - como é da natureza dos quebrantos - é mítica e, como não
manjo nada de mitologia, deixo-a para os iniciados de plantão. Só sei que, por
algum vacilo junto aos deuses - sempre o vacilo! - o carioca parece
irremediavelmente condenado a ter um problema medonho com sua própria
identidade.
Trocando em miúdos é o seguinte: como a gente foi
capital durante muito tempo, não temos nenhuma tradição de nos pensar regionalmente.
Quer-se dizer: ou bem o carioca acaba girando em torno de si mesmo ou inventa - e
acredita na própria invenção - que é o espelho do país. Na verdade, as duas
coisas não apenas andam juntas, como se entrelaçam e dão origem a chamada carioquice,
que voltou à moda por conta dos 450. Recentemente surgiram até
especialistas no assunto - vejam só vocês - nos eventos os mais pomposos
possíveis. "Fulano de Tal, profundo conhecedor da carioquice".
Previnam-se, caríssimos(as) passageiros(as), pois a carioquice é uma enfermidade espiritual, tanto mais séria na medida em que encontra ecos oficiais e cega o carioca quanto a sua própria experiência na cidade até esvaziá-la por completo, tornando-o um mero fantasma de si mesmo. Não por acaso o nosso prefeitóide, que de vez em quando circula pelas bandas da Portela e do Renascença - de chapeuzinho de malandro na cabeça e tudo! -, dá as caras no Cachambeer, toma banho no chuveirão de Madureira, dirige táxi e tudo o mais, parece ter feito da carioquice a sua meta síntese. "Viva a carioquice", diz o slogan da prefeitura, e nessa brincadeira as múltiplas potencialidades da cidade vão sendo aprisionadas na desgastada, porém ainda viva e perigosa, imagem de cidade maravilhosa, agora a partir do "Porto Maravilha".[1]
[1]
Aliás, vocês já repararam que se, de um lado, a repaginada Praça Mauá nos chama
para a Baía de Guanabara, por outro ela meio que volta a dar sentido à
perspectiva da Avenida Rio Branco?!
Do caralho!
ResponderExcluirValeu, Vivian! Volte sempre! bjo
Excluir